Sentimento cerrado

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Guardarei para sempre indelével aonde for

Estas patéticas paisagens tingidas de crepúsculos,

Estas noites agônicas de brisas vindas da Lua

E tão somente a nos proteger lassos orvalhos

Que logo desfalecem face à aparição de luz maior.


Ele, heliocêntrico, retinto, rútilo disco faraônico

Não tolera nuvens no seu salão azul de audiências,

Onde impõe cegueiras de narinas ressequidas,

Alérgicas à profusão de invisíveis cepas de rarefeitos pólens,

Mas ótimos para pintura corporal de seriemas e calangos.


E eis que surgem, tímidos, em meio à savana,

Aqui, acolá, um lobo, um anum, um carcará,

Cada um saiba de si, no sufoco, araçá, jenipapo, graviola, murici.

Aqui, acolá, num torto galho, ipês roxos e amarelos

E as esquálidas, mas elegantes se floridas, canelas-de-ema.


São, assim, silvestres estilos metamórficos todo o ano

Até virar folinhas desidratadas alimentando labaredas

A lamber vastidões na missão de estourar esporos

Que ao primeiro cio da terra se desdobram em rebentos.

Ramagens novas: sucupiras, quaresmeiras, guarirobas, caliandras.


Guardarei para sempre este cinema que me faz interior,

Alma de solo calcinado cor pó de cimento,

Que à primeira chuva se exagera na oferta de aromas,

Por todos os lados brotações de mimos,

É quando a pretexto de cajuzinhos a campo saímos


Feito bichos ainda há pouco escondidos em troncos queimados,

Tudo que era cinzas muda de pele para novos encontros.

É a vida, de novo colibri, sabiá, bem-te-vi, serigüela, cajá-manga,

Alaridos de convites. É a natureza musical dos amantes.

E o deserto? Redimindo-se em promessas de aguaceiros e torrentes.


Luiz Martins da Silva
  • recebi hoje o poema desse incrível mestre e me caiu feito uma luva.

Comments (1)

que texto legal...
adorei, descreve de uma maneira muito interessante esse cerrado onde vivemos!!!

beijos, mãe!